Projeto na periferia de São Paulo mostra a importância da legibilidade dos bairros

A iniciativa “Passeia, Jardim Nakamura”, promovida pelas organizações Instituto COURB e SampaPé!, mostra resultado positivo para quem caminha no bairro

O estímulo aos modos ativos de locomoção é uma estratégia cada vez mais apontada por especialistas na construção de cidades mais sustentáveis e resilientes. No entanto, quando nos voltamos para as áreas informais das cidades latino-americanas, a maior parte dos deslocamentos já é realizada a pé e por transporte público, mas em condições ainda muito aquém do ideal. 

É o caso do Jardim Nakamura, localizado no distrito Jardim Ângela, bairro  populoso da Zona Sul da capital paulista. Considerando que 53% dos deslocamentos de moradores no distrito são realizados a pé, a ONG SampaPé! e o Instituto COURB criaram o projeto de legibilidade cidadã para melhorar a experiência  principalmente de quem caminha. A partir do engajamento comunitário, seu objetivo é valorizar o território e a comunidade local, promovendo conexões e maior conforto e segurança nos deslocamentos a pé.

Toda a experiência do projeto foi relatada em uma publicação, disponível na internet pelo link . Seu conteúdo visa estimular e inspirar outras organizações e coletivos a criar sistemas de legibilidade cidadã, além de mostrar a importância desta estratégia para o desenvolvimento local. O diferencial do projeto “Passeia, Jardim Nakamura” está em sua abordagem colaborativa,  lançando mão de tecnologias sociais para engajar comunidades e resgatar histórias na construção de sistemas de sinalização que se apoiam na valorização dos ativos do território.


Legibilidade cidadã

A publicação também explora o conceito de legibilidade, ainda pouco utilizado em soluções urbanas para cidades brasileiras. “A legibilidade de uma rua, bairro ou cidade é definida por como as suas formas, elementos, sinais e sistemas fazem com que seja mais ou menos fácil para as pessoas se localizarem e conseguirem chegar aos lugares de destino na cidade”, define o documento.

Conseguir se localizar e entender os lugares a serem percorridos ajuda todas as pessoas que se deslocam de alguma maneira. Entretanto, a maior parte da sinalização das nossas cidades está voltada para o trânsito de veículos automotores, enquanto usuários do transporte público e pedestres sofrem com uma grande deficiência de informações disponíveis – o que se acentua conforme se distancia das áreas centrais.

Foram desenvolvidas e espalhadas pelo bairro placas de sinalização de três tipos: de indicação ou direcionais, que apontam em que direção e a que distâncias os locais de interesse estão; de localização ou navegação, que apontam onde a pessoa está no bairro com apoio de um mapa; e de informação, que contam a história dos lugares mais importantes para quem vive ali. Utilizando o que Kevin Lynch desenvolveu no livro “A imagem da cidade”, que estuda a percepção da cidade pela escala humana, o projeto não apenas sinaliza distâncias, mas ajuda a criar pontos de referência a partir de histórias e murais de arte.  

Neste sentido, o projeto “Passeia, Jardim Nakamura” se propõe a inovar em dois sentidos. A primeira inovação é criar um sistema de legibilidade “cidadã”, isto é, que é  participativo, podendo ser implantado pelos próprios moradores em mutirão. Além disso, adota linguagem visual e materiais coerentes com o repertório das pessoas que vivem e caminham pelo território. 

Moradores observam pontos localizados no bairro após instalação por mutirão (Foto: Mariana Morais)

A segunda é a escolha de um bairro periférico e auto-construído para a implantação do projeto, auxiliando não apenas na localização das pessoas, mas também a valorização dos espaços do território que muitas vezes sequer têm “nomes oficiais”, mas são importantes para aqueles que lá vivem e circulam. É o que explica Leticia Sabino, da ONG SampaPé!: “Ao convidar a própria população local a co-construir o sistema de sinalização do território, o projeto se propõe a mostrar que a periferia também deve ser “legível” para moradores e visitantes, e isso colabora com a valorização do caminhar como uma maneira de conectar as pessoas afetivamente aos espaços e ao bairro”.

Modo de fazer
A  publicação apresenta as 5 etapas da co-construção do projeto “Passeia, Jardim Nakamura” com a comunidade: aproximação, criação, confecção, implementação e avaliação.

Logo no início do processo, foram identificados moradores e organizações que fortalecem o tecido social do bairro e eles foram convidados a colaborar no projeto. Para conseguir engajar a comunidade e reunir as informações necessárias para a elaboração dos vários tipos de sinalização, foram realizadas atividades como uma oficina de Mapeamento Afetivo e conversas com moradores antigos, além de contratarem um articulador local que já foi morador do bairro, Rogério Souza. Para Mariana Morais, do Instituto COURB, “despertar este olhar é muito importante, porque em muitos casos pode ser a primeira vez que os moradores e moradoras se juntam para valorizar aquilo que é único e criado no bairro, que vale a pena ser contado, reconhecido e exaltado, e não para falar dos desafios”.

A criação da identidade visual do projeto ficou por conta do estúdio Daó, que utilizou como referências os elementos da vida cotidiana no bairro identificados em oficina com caminhada no bairro, da qual participaram moradores. 

O conteúdo das placas foi desenvolvido pelas equipes do SampaPé! e do COURB. Assim como a elaboração do sistema de legibilidade, ou seja a combinação entre a tipologia das placas e local de aplicação, com distâncias e direções.

As placas foram instaladas em um mutirão em dezembro de 2018, reunindo voluntários e moradores. No mesmo dia, crianças também participaram de uma atividade de caça ao tesouro, em um jogo que incentiva a identificação dos lugares mais marcantes do bairro.. Enquanto crianças exploravam as ruas e adultos instalavam placas, os coletivos de arte urbana do bairro, Ciclo Social Arte e Manifestintação Crew, usavam sua criatividade para colorir os muros com referências à identidade do bairro e às formas mais ativas e saudáveis de se locomover, como a bicicleta e o caminhar. 

Em março de 2019 aconteceu a finalização de mais uma etapa do projeto. Alguns moradores que apoiaram o desenvolvimento do “Passeia, Jardim Nakamura” receberam uma formação em turismo de base comunitária e passeios a pé.  A partir disso, ofereceram um passeio inédito pelas ruas do bairro, compartilhando com visitantes o orgulho das histórias dos moradores. O passeio terminou com um almoço coletivo oferecido pelo Vegearte, restaurante sediado  na ONG local Favela da Paz.

Todas as etapas da implantação do sistema de legibilidade podem ser conferidas no vídeo institucional do projeto e nesta reportagem veiculada no SPTV.


Moradores conduzem passeio a pé pelo bairro (foto: Fluxo Imagens)

Resultados alcançados

Quase quatro meses após a instalação do sistema de sinalização, a equipe voltou ao bairro para aplicar questionários e fazer entrevistas semi-estruturadas com moradores, além de observar os efeitos do projeto. E os resultados, apresentados na publicação, não poderiam ser melhores: o estado de conservação das placas se mantém bom, mostrando que houve apropriação e respeito ao projeto por parte dos moradores e moradoras.
A maioria dos moradores também avalia positivamente a interação com a sinalização. Para 71,4%, as informações e mapas apresentados estavam fáceis de compreender. Duas das crianças entrevistadas trouxeram relatos como “o texto assusta um pouco, mas quando comecei a ler, achei muito legal!” e “aprendi com o projeto como chegar na escola do meu amigo”. Já em relação à percepção sobre a valorização do bairro, 87% dos participantes indicaram que concordam totalmente que o projeto auxilia na valorização do território.”

Embora muitos moradores apontarem que não precisaram recorrer às placas para se localizar no bairro, a maioria considera que para visitantes e para moradores novos, o projeto de sinalização é muito importante. Neste sentido, uma das participantes que está morando há menos de 6 meses no bairro informou que se localizou no território novo a partir das sinalizações indicativas.

Além disso, alguns desdobramentos foram impulsionados pelo projeto. A atenção que o bairro ganhou levou a CET, Companhia de Tráfego, a escolher o território para implementar o projeto de Rotas Escolares Seguras, no qual faz algumas mudanças viárias para acalmar o tráfego no entorno escolar. Outro foi a EMEI Astrogilda, escola municipal de educação infantil, que a partir do conhecimento do projeto realizou trabalho com os alunos sobre uma das histórias do bairro. Outras conexões foram observadas entre os atores locais, como a aproximação entre o articulador Roger e a ONG Favela da Paz – resultando em novos projetos de arte para as crianças da comunidade.

Share on whatsapp
Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin

Curta nossas publicações e compartilhe

Share on whatsapp
Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin

CATEGORIAS

FIQUE LIGADO

Assine a nossa Newsletter e receba todas as novidades!

POSTS POPULARES