Cidades melhores, não maiores.

Durante o último século, o planeta passou por um crescimento populacional exponencial. Saímos de 1.8 bilhões habitantes em 1915 para 7.5 bilhões em 2015. Em 2010, a população global atingiu a maioridade urbana: mais de 50% das pessoas  moram em cidades, com estimativas que sugerem que  esse número atinja 60-70% até 2035. De fato, o crescimento explosivo é mais intenso nas metrópoles e megalópoles. E aqui não estamos falando somente de pessoas. Crescer parece ser o objetivo sempre: crescimento populacional, crescimento econômico, crescimento do número de veículos, crescimento de imóveis. Crescer, crescer, crescer.

O crescimento, claro, não é de todo mal. Mas ao invés de crescer, deveríamos estar focando em melhorar. Ou, caso não seja possível melhorar sem crescer, estes conceitos devem ao menos se sobrepor. O crescimento desenfreado como objetivo último acaba dissociando valores sociais e ambientais que estão intrínsicamente ligados ao ser humano. Associado ao crescimento de grandes centros urbanos, outros problemas imediatamente seguem: desenvolvimento da desigualdade social, de consumos energéticos e pegadas ecológicas, redução da cultura local, escassez de água, saneamento e alimentos. Apesar desses problemas, o mundo tem caminhado em direção ao gigantismo urbano, e o crescimento de centros urbanos continua evidenciado.

Recentemente, em um artigo publicado pela Academia Nacional de Ciência dos EUA, 27 autores compilaram dados de consumo dentro das 27 maiores cidades do mundo (todas com mais de 10 milhões de habitantes). A análise mostra que 27 cidades concentram 6.7% da população mundial. Ao mesmo tempo, esses 6.7% da população do  mundial possui 14.6% do PIB, produz 12.6% dos resíduos, consome 9.9% da gasolina e 9.3% da eletricidade. Apesar da análise ampla e da grande quantidade de dados, esse estudo revela os aspectos negativos das grandes aglomerações urbanas. Enquanto essas cidades possuem altos índices de consumo, elas possuem baixíssimos índices de produção. Seus alimentos e bens de consumo, na maioria dos casos, vem de longe, o que desequilibra ainda mais a balança da sustentabilidade.

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No entanto, isso não significa que devemos desconstruir os grandes centros urbanos. É necessário que atuemos em duas frentes distintas: investir na eficiência energética e gestão de resíduos em grandes cidades, e ao mesmo tempo trabalhar para a construção de cidades mais eficientes em escalas menores. Em um estudo recente sobre a urbanização do mundo, a ONU concluiu que grande parte da população urbana está atualmente concentrada em cidades com menos de 500.000 habitantes, conforme apresentado no gráfico abaixo:

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Após a grande onda de migração rural-urbana ao longo do século XX, vivemos atualmente  uma onda de migração de cidades pequenas e médias para cidades grandes e gigantes. Desta forma, temos hoje um desafio.: melhorar a qualidade de vida em cidades de diversas escalas.

É muito difícil definir o tamanho ideal de uma cidade, mas será que devemos continuar alimentando o crescimento constante dos centros urbanos? Por exemplo, Londrina, no Paraná (~500 mil habitantes), possui um sistema urbano bastante completo, com 300 escolas, diversos hospitais e centros de saúde, sistemas de comunicação bem desenvolvidos (como rádio, tv e jornal), ampla rede de transportes composta por terminal rodoviário, aeroporto, e uma ampla malha viária, teatros, cinemas e universidades, templos religiosos, parques, praças e lagos.

São Paulo (~11 milhões de habitantes) , por outro lado, tem o mesmo que Londrina, com uma maior densidade , dada a demanda de uma população mais de 20 vezes maior. A capital paulista tem maior diversidade de clubes de futebol, parques e praças, templos religiosos, aeroportos e universidades. Contudo, possui também mais problemas sociais e ambientais, como a cracolândia, o crescimento das zonas de habitação irregulares, os congestionamentos, barulhos, a falta de gentileza, as cheias, secas, etc.

Apesar dos problemas não serem exclusivos de cidades maiores, eles aumentam exponencialmente, e solucões muitas vezes requerem intervenções de grande dimensão. Tanto o meio acadêmico quanto profissionais se preocupam com o desenvolvimento de grandes centros urbanos. Em consequência, políticas públicas e projetos de infraestrutura tomam proporções gigantes, agrando a situação, já que resolve o problema temporariamente. Enquanto isso, cidades pequenas e médias permanecem carentes de necessidades básicas. Por não possuírem a demanda ou os recursos para a implementação de grandes infraestruturas, acabam estagnadas, acelerando ainda mais o processo de êxodo a longo prazo. As luzes da cidade atraem.

Todas as cidades precisam de políticas que catalizem as relações sociais e os processos de participação democráticas nas decisões locais e regionais, e também da implementação do acesso a sistemas de transporte multi-modais integrados. Essas e outras características não são (e não devem ser) exclusivas de cidades grandes, ou de cidades em crescimento.

Enquanto cidades maiores  dependem cada vez mais da importação de alimentos e água, e da exportação de resíduos, cidades melhores são independentes: atingem a autonomia alimentar, suprem necessidades de água e gerenciam seus próprios resíduos. Independente da escala, de pequenas vilas a megalópoles globais, temos o dever de construir cidades mais integradas, independentes e democráticas. Mas esse objetivo não é alcançado do dia para a noite. Muito esforço e necessário, nas esferas politicas, sociais, econômicas e ambientais. Cabe a nós ajudar na construção das nossas cidades, através de participação, proatividade, e engajamento. Não existem fórmulas secretas. Enquanto existir vida, existe esperança.

Germano já morou em oito cidades do mundo e desde 2010 seus principais meios de transporte são a bicicleta e o busão. Engenheiro Civil, cursa mestrado em planejamento urbano e políticas públicas na University of Southern California.

Referências:

 Kennedy, C. A., Stewart, I., Facchini, A., Cersosimo, I., Mele, R., Chen, B., . . . Sahin, A. D. (2015). Energy and material flows of megacities. Proceedings of the National Academy of Sciences, 112(19), 5985-5990. doi:10.1073/pnas.1504315112

United Nations. Dept. of Economic. World Urbanization Prospects: The 2014 Revision. United Nations Publications, 2001.

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